Quando observo a evolução dos meus filhos, fica claro que todos nós, desde bem pequenos, já temos uma boa noção do que é estoque e o seu gerenciamento. Quando crianças víamos a quantidade de brinquedos, lápis de cor e doces que estavam a nossa volta e já pensávamos em como iríamos consumir aquilo, e alguns, com mais ênfase do que outros, já faziam um gerenciamento rígido desses “bens” valiosos.
Quando crescemos as coisas ficam um pouco mais volumosas, complicadas e com mais riscos envolvidos, mas a essência é a mesma: recursos disponíveis ou necessários para uso que precisam ser gerenciados.
No mundo corporativo, onde inúmeras variáveis dinâmicas afetam as operações das empresas o tempo todo, várias técnicas foram desenvolvidas para gerenciar os estoques de todos os tipos e tamanhos de negócio, e nos dias atuais, é virtualmente inviável pensar em realizar tal gestão sem o uso de um ERP.
O problema é que muitos fornecedores de ERP não conseguem colocar as melhores práticas de Gestão de Estoques nos seus sistemas e muitos gestores de empresas não conseguem administrar plenamente os seus estoques mesmo quando possuem uma boa ferramenta para isso. Alguns pequenos detalhes podem fazer a total diferença.
O QUE É GESTÃO DE ESTOQUES
Em essência, Gestão de Estoques é a parte da administração do negócio que define e implementa políticas para os seus itens, recursos e produtos de tal forma que garanta as operações da empresa, direcionadas para os seus objetivos e mantendo os seus riscos sob controle.
Quando trabalhamos com Gestão de Estoques, lidamos o tempo todo com os seguintes questionamentos:
- O que temos? O que teremos?
- O que precisamos ter agora e no futuro?
- Quando precisamos ter?
- Aonde tem que estar o que temos e o que precisamos ter?
- Como vou obter o que preciso?
- Como vou garantir ter o que preciso, no momento certo e no local certo?
- Quais riscos vou assumir em não ter o que preciso?
- Quanto estou disposto a investir para minimizar os riscos?
Cada tipo de negócio tem o seu perfil de trabalho, mas em linhas gerais, lidamos com graus de incerteza entre a oferta e a demanda de produtos e serviços, bem como níveis diferentes de exigências embarcadas nas operações.
ALGUMAS TÉCNICAS DE GESTÃO DE ESTOQUES
Existem inúmeras técnicas de Gestão de Estoques disponíveis no mercado, associadas a inúmeras operações industriais, de varejos e de serviços. O que vamos trabalhar neste artigo são algumas técnicas/ferramentas que considero como as mais usuais.
01) Inventário
Por mais básico que possa parecer, saber o que tem no Estoque é um grande problema para muitas empresas. Operações altamente dinâmicas, com grande fluxo de entrada e saída de materiais, com consumos variados ou incertos e com várias fontes de perdas e flutuações de características, criam grande dificuldade para garantir a assertividade nesta gestão. O indicador que monitora a qualidade do inventário do Estoque é a Acuracidade.
02) Classificação ABC
A Estatística já nos ensinou que no mundo real, muitas atividades possuem características (como custos, energia e volumes) de forma bem peculiar, onde em muitos casos, um pequeno grupo de itens (chamado de A) alocam grande volume de características, um grupo mediano de itens (chamado de B) alocam um volume baixo de características, mas ainda significativos e um grande grupo de itens (chamado de C) aloca um volume muito baixo de características.
Uma distribuição de referência é termos os itens A com 80% das características, os itens B com 15% e os itens C com 5%. Mas isso é apenas uma referência. As principais características a serem trabalhadas na Gestão de Estoques das empresas são custos, preços de venda, volumes brutos e pesos brutos.
03) Criticidade 123
A Classificação ABC (descrita acima) tem grande importância na Gestão de Estoques, mas quando combinamos a ferramenta de Criticidade 123 a gestão fica muito mais eficaz. Classificar a Criticidade de um item como 1, quando a falta do mesmo traz grandes perdas e/ou transtornos para a empresa. Criticidade 2 para itens com médias perdas/transtornos e Criticidade 3 para itens com baixas perdas/transtornos.
Impactos nas operações e a dificuldade/tempo de obtenção do item pesam bastante. Por exemplo: papel higiênico em um hotel três estrelas no centro do Rio de Janeiro pode ser considerado de Criticidade 2 ou até 3, o mesmo item num hotel cinco estrelas no meio do deserto tem Criticidade 1.
04) Gestão de Estoque por tempo específico
Quem faz compras de mercado em casa sabe como é isso, determinado dia da semana (sábado, por exemplo) você levanta o que tem em casa (inventário) e compra o que precisa para a semana seguinte. Algumas famílias as vezes tem dias específicos para comprar frutos do mar ou verduras/legumes. Assim, otimiza o processo de compra e os volumes comprados para aquela semana, vão cobrir os seus consumos previstos.
As empresas fazem isso pelos mesmos motivos. Restaurantes que compram perecíveis semanalmente (ou até mesmo a cada dois ou três dias), escritórios que compram materiais de papelaria uma vez por mês e fábricas que compram materiais de limpeza uma vez ao ano.
05) Gestão de Estoque por reposição de volume (“Dente de Serra”)
Esta técnica é mais apurada e também muito utilizada. Baseia-se na composição de ações, onde você define uma demanda projetada, trabalha com volumes de compra e lead time de entregas, variações de consumo e gestão dos riscos.
Começa com um estoque inicial, os consumos vão ocorrendo, e em um determinado momento, o estoque chega no Ponto de Ressuprimento (devidamente calculado), onde uma Ordem de Compras foi efetuada, com isso coexiste o Estoque (real) com um Estoque Potencial. O objetivo é que a chegada do item comprado aconteça antes de da Ruptura (tem demanda, mas não tem estoque). Associado ao processo, existe o Estoque de Segurança, que tem como finalidade minimizar o risco da Ruptura e o Estoque Mínimo, que é o estoque definido como estratégico para uma determinada operação.
06) Gestão de Estoques no ambiente Just-In-Time
Há décadas vemos várias empresas tentando construir uma cadeia utópica de suprimentos, onde todas as empresas envolvidas só captam materiais quando uma venda ocorre. Isso seria fantástico, mas o que é visto são cadeias de suprimento onde um ponto principal atinge (ou chega perto de atingir) esse ideal, enquanto outras empresas da cadeia de suprimento mantêm estoques para suprir as variações dos processos.
Mesmo não conseguindo total aderência ao modelo, a maioria das empresas que implantaram a filosofia amadureceram a sua Gestão de Estoques, focando na regularidade das entregas de materiais e na obtenção de informações confiáveis.
07) Gestão de Estoques de terceiros e em terceiros
Além das características fiscais e contábeis envolvidas, tem aspectos de relacionamentos contratuais entre as partes e as necessidades das ações de monitoramento e controle estarem operando de forma adequada para que tudo possa funcionar sem grandes atritos.
A GESTÃO DOS ESTOQUES E OS ERP
Vemos problemas e dificuldades sobre o tema, com origens tanto nos fornecedores quanto nos clientes dos ERP.
01) O inventário tem que ser feito e o ERP tem que saber disso
Existem fornecedores de ERP que trabalham com estoques, mas não tem qualquer recurso de inventário, outros tem inventário, mas somente o geral, com poucos recursos e alguns deles, mesmo com o inventário disponível, não conseguem calcular a Acuracidade do Estoque.
Por outro lado, muitos clientes do ERP precisam da função de inventário, tem o recurso disponível e não utiliza ou utiliza de forma ineficaz, sem contar que, a princípio, todos os ERP de mercado têm condições de integrar com leitores de Códigos de Barras/QR Codes (que facilita em muito a execução dos Inventários) e os clientes do ERP simplesmente ignoram. Muitas empresas agem errado nos seus inventários, mas as soluções são simples e baratas.
02) Flexibilidade na classificação ABC
Encontrei fornecedor de ERP no mercado que afirmava que tinha Classificação ABC, mas quando fui ver, era só um campo que dizia se um determinado item era A, B ou C, mais nada! A Classificação ABC tem que ser definida por cálculo (o lançamento inicial pode ser até manual), cujos parâmetros de percentuais e de características a serem classificadas precisam ser flexíveis e com impactos reais na Gestão de Estoque. Também é vergonhoso ver clientes dos ERP, as vezes com profissionais qualificados, trabalhando de forma completamente errada com esta ferramenta.
03) Criticidade 123, onde você está?
É impressionante a quantidade de fornecedores de ERP que nem cogitam o uso da Criticidade 123 nos seus sistemas. Alguns fornecedores que tem camadas abertas de desenvolvimento ou flexibilidade na camada de negócio afirmam que os seus clientes podem montar qualquer coisa, inclusive este recurso (Business Process Management Systems) pode fazer isso e quase qualquer coisa, mas os clientes querem isso pronto no sistema, com as técnicas apropriadas, e não tendo que investir tempo e/ou dinheiro no desenvolvimento.
04) Gestão de Estoque por tempo específico, onde você está?
De uma forma menos extensa que a Criticidade 123, a Gestão de Estoque por tempo específico tem poucos ERP de mercado. Algumas empresas burlam esta dificuldade trabalhando com Requisições de Materiais colocadas em tempos específicos e configuradas para calcular automaticamente as diferenças e ajustando por lote de compra (quando este parâmetro está disponível).
05) Fluxos na Gestão de Estoques de/em terceiros
Cada operação de estoques consignados ou alocados para beneficiamento externo precisa de um fluxo para tratar as obrigações fiscais, eventuais características legais, necessidades operacionais e/ou definições contratuais. Apesar de muitos ERP de mercado terem alguns bons recursos neste sentido, poucos ERP têm meios de modelar facilmente fluxos para gerenciar esse tipo de estoque e meios para colocar esse gerenciamento por contrato/projeto.
06) Estoque Mínimo e Estoque de Segurança são coisas diferentes
Sistema somente com Estoque Mínimo ou somente com Estoque de Segurança, as vezes sem nenhum dos dois é muito comum, e, além de restringir a Gestão de Estoques das empresas, induz os clientes do ERP ao erro. Estoque Mínimo é decisão estratégica e Estoque de Segurança é um recurso para diminuir os riscos. Ambos são (ou deveriam ser) baseados em cálculos, que deveriam ter flexibilidade na sua parametrização. Mas isso raramente ocorre.
07) Navegar é preciso e os Lead Times também deveriam ser precisos
Nesses casos, estamos falando de precisão. Receber materiais antes ou depois do que esperava pode gerar transtornos nas empresas, agora se isso acontecer com muitas entregas previstas o problema passa a ser grande. Clientes dos ERP não definem Lead Time padrões de fornecedores coerentes e nem estão preparados para gerenciar as variações de entrega que cada Compra eventualmente tem. Por outro lado, muitos ERP não tem o Lead Time do processo de compra dentro da empresa. Em alguns casos esse tempo é muito expressivo.
08) Precisamos trabalhar melhor o gerenciamento de estoques em grupos
Os ERP, de uma maneira geral, têm recursos razoáveis para gerenciar Estoques por agrupamentos (família de produtos, tipo de materiais, etc.), mas precisamos de um pouco mais de flexibilidade nisso. O grande problema está na capacidade do cliente do ERP em gerenciar grupos.
09) O Dente de Serra precisa ser amadurecido
Suas operações precisam trabalhar com o gerenciamento de estoques com reposição por quantidade e você começa a trabalhar colocando dados iniciais e operando da forma mais estratificada possível. Você fez tudo certo, mas os resultados ainda não são adequados. O que aconteceu? Esta técnica precisa de informações precisas e processos de monitoramento e controle maduros, o que você pode fazer, é colocar energia para melhorar rapidamente tudo que está envolvido.
10) O Dente de Serra precisa ter um apoio melhor nos cálculos
O Lead Time dos fornecedores é informado pelo cliente do ERP, mas o sistema poderia calcular o Lead Time projetado com o uso de ferramentas estatísticas mais apuradas. O Ponto de Ressuprimento é inicialmente informado e muitos ERP tem meios de cálculos para determiná-lo, mas a grande maioria dos sistemas utilizam metodologias de cálculos de Gestão de Estoques que já não retratam a realidade. E o pior de tudo é que muitos clientes de ERP não utilizam os recursos de cálculos que já estão disponíveis nos sistemas.
No artigo somente “arranhamos” o tema Gestão de Estoques e os ERP, mas este “arranhão” foi dos pontos mais comuns que vemos no mercado. A dinâmica do mercado está enorme e isso certamente reflete nas necessidades e desejos das empresas tratarem os seus estoques com fluidez e alinhados aos seus processos de negócio.
Um volume absurdo de fornecedores de ERP, até os novos, utilizam técnicas incompletas e antigas de Gestão de Estoques, e quando converso com eles sobre isso eles me falam que os seus clientes querem o que eles estão entregando e, mesmo o pouco que eles fornecem, não é devidamente utilizado. Será que é isso mesmo?
Tem alguma coisa errada nisso tudo!
Mãos e mentes à obra!!!
Conteúdo Licenciado: Mauro Oliveira – https://www.linkedin.com/in/maurooliveiraonline/