Não importa o tamanho, a localização e o segmento de negócio de uma empresa, ela sempre vai precisar executar e gerenciar compras de produtos e/ou de serviços. E isso ocorre nos mais variados graus de complexidade, riscos e velocidades de trabalho. Por isso, hoje vou falar um pouco sobre gestão de compras e os ERP.
Muitos gestores ficam à frente da jornada de compras ou monitoram de perto a sua execução. É por esse motivo que vários conseguem ter bons resultados e, às vezes, até de forma regular, mas quase sempre na dependência de alocar alto volume de tempo e de energia. Conseguintemente, as avaliações da performance do processo são com base em parâmetros que nem sempre são adequados e com vários pontos de riscos envolvidos. Sob essas razões, os melhores ERP podem ter alguma dificuldade para implementar utilidades capazes de mitigá-los.
Comprar certo, de forma inteligente e de forma prática faz a diferença em muitos negócios. Os ERP são de fundamental importância para que isso ocorra. Porém, precisam ter a capacidade de atender às melhores práticas do mercado. Portanto, os gestores precisam saber como fazer um processo de compras que seja adequado para as suas necessidades. Dito isso, o processo considerado como ideal pode ser bem diferente do que ele imagina. Vamos falar sobre isso!
Vamos às Compras!
Tudo começa com a necessidade ou desejo por um determinado produto e/ou serviço que foi levantado por um profissional ou pelos algoritmos que o ERP usou durante as suas atividades. Neste momento, análises de disponibilidade são feitas e um processo de compras (abrindo ou alterando uma Ordem de Compras – OC) será iniciado.
Uma compra iniciada pode ser de itens patrimoniais, insumos, consumíveis, projetos, serviços, sistemas, itens importados etc. Isso pode ocorrer de forma pontual ou contratual, através de fornecedores certificados ou não (por licitação, por leilão reverso, entre outros). Ou seja: cada situação tem uma composição de atividades e regras associadas.
Após aprovada, a compra tem os seus custos alocados no financeiro e na gestão orçamentária. Além disso, segue um follow up constante para garantir a assertividade da entrega ou para tomar decisões caso as situações mudem. Consequentemente, os itens/serviços são entregues (ou não), e fatores de verificação e ações de pagamentos são realizadas. No término, a OC é finalizada.
O texto descrito acima exemplifica que os processos de compras podem ser entendidos e analisados com um certo grau de simplicidade, mas essa visão está muito longe da realidade. Fica difícil, em um artigo, conseguir descrever todos os detalhes sobre compras. Mesmo assim, vou retratar aqui os principais pontos envolvidos nele.
1) A demanda:
Em situações normais, pessoas e sistemas utilizam critérios para validar necessidades. De forma geral, essas necessidades são colocadas em Requisições de Materiais (RM). Alguns chamam de Solicitação de Materiais (para mim, deveria se chamar de Requisição de Itens, visto que pode ser solicitada qualquer coisa). Através de competências e análises, essa RM pode ou não ser aprovada e, caso tenha esses itens dentro da empresa, eles podem ou não serem alocados a ela.
A RM aprovada e com itens pendentes de alocação, portanto, é disponibilizada para o processo de compras. Com base em regras de negócio, porém, todas as RM pendentes de toda a empresa são compiladas (de forma automática ou manual) e são geradas as Ordens de Compras (OC) e/ou os itens são alocados em Ordens de Compras previamente abertas. Sempre direcionando para o comprador adequado.
2) Tipos de processos de compras:
As empresas, de uma maneira em geral, convivem simultaneamente com vários tipos de processos de compras:
- Pontual (Spot): é uma compra que ocorre somente uma vez. Normalmente tem como objetivo atender itens patrimoniais, mas também para comprar materiais e serviços para protótipos e testes, itens de conhecimento, situações relacionadas a projetos ou eventualidades.
- Insumos: as compras podem ser feitas, por exemplo, através de contratos com entregas regulares e parâmetros específicos, ou pode ser comprado caso a caso utilizando Mapas de Cotação.
- Itens Complexos (Contratos/Projetos): normalmente são compras que precisam de uma excelente análise e, em muitos casos, realizadas de forma colegiada, com a inclusão das áreas afetadas por ela e/ou de áreas apoiadoras.
- Importação: é um processo de compras que passa por um trâmite específico, inclusive tendo ajuda de prestadores de serviços externo para realizá-lo.
- Leilão Reverso: “quem vende por menos” um determinado item ou pacote de itens a ser comprado é colocado num site ou aplicativo de Leilão Reverso. Com base em uma série de regras, os participantes dão os seus “lances” cobrando cada vez menos para fornecer o que foi solicitado.
- Licitação Pública: é regida pela lei 8.666, tendo regras bem detalhadas, onde, em essência, seguem os princípios similares do Leilão Reverso.
3) Alguém deve fazer, controlar e ajustar as compras:
Grande parte das empresas não têm uma pessoa executando o papel dedicado de comprador profissional. Nelas, os seus principais gestores/assistentes fazem este trabalho. Por outro lado, nas demais organizações existe um ou mais compradores profissionais atuando, mas mesmo assim há situações onde gestores/assistentes também realizam compras.
4) O que foi comprado chegou ou não chegou?
Quando você especifica uma compra de 100.000 potes plásticos para serem usados por uma fábrica que envasa produtos, você está especificando e/ou controlando uma série de pontos. Alguns exemplos:
- Tolerâncias metrológicas;
- Características estéticas;
- Características funcionais;
- Características de higiene;
- Variante logística;
- Níveis toleráveis de defeito;
- Datas de entrega;
- Faixas de horário de entrega;
- Eventuais limitações do meio de entrega;
- Responsabilidades do frete;
- Se tem ou não alguma ação de logística reversa (como retorno de palete alugado ou retorno de material refugado);
- Se vai aceitar variações de quantidades recebidas e em qual percentual;
- Características dos documentos de controle e dos documentos fiscais envolvidos, se os impostos estão corretos etc.
Cada situação cuja entrega não esteja de acordo com a OC pode gerar consequências negativas. Transtornos operacionais, não atendimento aos pedidos, multas pagas aos clientes, multas cobradas aos fornecedores, processos de separação de materiais, destruição, devolução, entre outras ações indesejadas são alguns dos exemplos. Quando falamos de serviços, portanto, as variantes podem ser ainda mais complicadas de serem mensuradas e tratadas.
5) A captação e o relacionamento com os fornecedores é importante
Em atividade lateral ao processo principal de compras, vemos o importante papel de buscar, em tempo hábil, um conjunto de fornecedores realmente viáveis para atender as demandas da empresa, bem como estabelecer um relacionamento ganha-ganha com eles. Às vezes, estas tarefas são desafiadoras, seja pelas características de mercado, condições das compras efetuadas ou dos riscos envolvidos.
Durante minha experiência em uma determinada multinacional, foi decidido pelo Presidente da unidade do Brasil, que haveria um trabalho muito forte de relacionamento com os seus fornecedores pequenos. Isso se realizaria enviando, sem custo, um serviço de consultoria de gestão empresarial e determinou que nenhum deles poderia vender mais de 30% da receita total para a empresa, evitando com isso que os mesmos quebrassem em eventual flutuação de compras da empresa. Como consequência, isso forçou a ampliação do quadro de fornecedores e gerou estímulos para que esses profissionais se desenvolvessem, gerando ganho para todos.
Gestão de compras e ERPs: como eles se comportam nisso tudo?
Até aqui, nós falamos em linhas gerais sobre pontos relevantes no processo de compras. Agora, vamos detalhar alguns pontos que são críticos e comentar sobre o papel que a gestão de compras e os ERP fazem (ou deveriam fazer) para que tudo funcione melhor, bem como sobre as deficiências que os gestores têm para administrar esse processo.
1) A Transformação das RM em OC
A maioria dos ERP de mercado tem alguns recursos para tramitar as RM e as OC, mas muitos ERP deixam a desejar na atividade de alocação e transformação das RM em OC. No máximo, abrem uma tela falando das possibilidades e deixa que todo trabalho de análise seja feito pelo comprador, bem como as composições das OC. Isso poderia ser automatizado e com mais inteligência. Sendo assim, os parâmetros para isso estão (ou deveriam estar) dentro do ERP e as montagens deveriam ser feitas previamente cabendo ao comprador somente validá-las.
2) Controle do Lead Time do processo de compra
Para controlar o lead time de entrega dos fornecedores, a maior parte dos ERP tem meios específicos de controle, mas poucos ERP definem e controlam o lead time para realizar o processo de compras. É um engano imaginar que esse tempo é insignificante. Por várias vezes, chega a ser maior que o lead time do fornecedor. Quando encontramos uma empresa com o ERP tendo este recurso, então, é comum ver os seus gestores não o usarem ou usarem de forma padrão sem efetuar o devido controle e ajuste.
3) Enviar e-mail é fácil, mas trabalhar o seu retorno, nem tanto
A jornada de compras é um processo que tem na sua essência a necessidade a troca de e-mail com os fornecedores. Por exemplo: alguns deles são automáticos e outros manuais, alguns com controle de ação de recebimento, alguns necessitam que esse profissional interaja com um sistema na web. Em alguns casos, ele retorna informações por e-mail.
O ideal é que todo o relacionamento com o fornecedor ocorra em portais na web, com todas as possibilidades de comunicação que o processo pode ter, mas infelizmente isso ainda é muito raro. Existem ERP de mercado que não tem qualquer portal associado e existem fornecedores que têm portais, mas grande parte deles tem carências significativas de recursos e ainda existem alguns portais oferecidos como serviços para facilitar o processo. Apesar de serem bons no que fazem, o cliente do ERP precisa realizar (e na maioria das vezes não o fazem) integrações para operacionalizá-lo.
Ou seja, uma quantidade absurda de empresas são totalmente dependentes dos e-mails para se relacionarem com os seus fornecedores, e o retorno dos e-mails não costuma ser interiorizado nos ERP.
4) A paridade dos cadastros internos de itens com as tabelas de preço dos fornecedores
Inúmeros fornecedores de ERP aprenderam a lição e começaram a disponibilizar recursos para que os compradores possam, de uma forma relativamente prática, incorporar e atualizar as tabelas de preços, associando os mesmos aos cadastros de itens da empresa. Contudo, o que vemos na maioria dos sistemas do mercado são soluções muito rudimentares, com grande necessidade de ações manuais e com muitas possibilidades de acontecerem erros.
Esse é um ponto crítico da relação entre gestão de compras e ERPS que, se fosse colocado elementos facilitadores de análise, já ajudaria bastante. O que precisa aqui é fazer com que os fornecedores de ERP percebam a complexidade envolvida nesta atividade, e como isso impacta de forma absurda muitos segmentos de negócio. Assim, poderão dimensionar o esforço que precisam fazer para construir um bom recurso para suportar esta atividade.
5) Os problemas de ajuste de demandas, impacto das origens dos fornecedores e de tudo associado aos mapas de cotação das OC
Praticamente todos os ERP de mercado têm o recurso de Mapa de Cotação, onde aparecem as informações de cada fornecedor em uma determinada compra. Em alguns sistemas, o mesmo sugere um vencedor, o comprador faz a sua análise e segue um procedimento de aprovação. O problema está na disponibilidade de informações para realizar as análises.
É comum encontrar Mapas de Cotação separando por fornecedor os preços de cada item da OC, o preço total da OC, os lotes múltiplos (variante logística) do item e o valor mínimo de compra. Desse modo, todas as demais informações precisam ser colocadas como texto adicional, mas não deveria ser assim.
O ato de comprar está ficando complexo e precisa ter informações que eram tratadas como adicionais dentro do contexto, tais como: tamanho de lote por lead time (se eu compro 1.000 unidades o fornecedor me entrega em 5 dias, mas se eu comprar 1.500 unidades ele pode precisar fazer duas entregas, cada uma levando 5 dias); se abre ou não a embalagem; variações das características das entregas (e dos seus custos) por valores, volumes e/ou pesos, possibilidade de trabalhar CIF (o fornecedor entrega) e/ou FOB (o cliente busca) e todos os custos associados; custos adicionais opcionais ou não (como embalagem terciária e quaternária, se quer a carga paletizada, etc.); descontos em cascata; descontos por condições de compras, os potenciais créditos fiscais da compra que cada fornecedor pode ter etc.
6) Os fluxos envolvidos nos processos de compras precisam ser ágeis
Você pode falar que a relação entre gestão de compras e os ERP tem flexibilidade na camada de negócios e pode montar o que quiser; também pode afirmar que tem processos bem ajustados por tipo de compra; mas mesmo assim o interessante é ter meios fáceis e práticos de ajustar os processos de cada OC, fazendo com que todo o trâmite ocorra dentro do ERP. Simples e prático são os pontos em questão aqui.
7) O recurso de multi-moeda pode ser usado para avaliar a performance do comprador
Na sua empresa, as compras estão sendo negociadas de forma positiva? Como você sabe disso? Quais as suas metas de performance de compras? Existem vários fatores, mas certamente um deles é conseguir comprar abaixo da inflação do mercado. Logo, caso você compre itens que sejam vinculados a um item de base (como papel, plástico, petróleo etc.), poderá criar uma moeda específica desse item de base, controlando as variações que ocorram somente com ele e verificar os resultados levando em conta a variação.
Gestão de compras e os ERP: uma relação de sucesso
É muito vasto e com muitas possibilidades o processo de compras. Neste artigo, sobre gestão de compras e os ERP, elenquei somente alguns pontos que considero mais relevantes. Inúmeros gestores estão se empenhando em conseguir bons resultados nas suas compras e têm fornecedores de ERP que também fornecem sistemas que são mais úteis. Só falta conseguirmos alavancar mais esses esforços para que o mercado tenha uma base maturada de boas práticas em compras.
Muito sucesso. Compre bem.
Mãos e mentes à obra!
Conteúdo licenciado: Mauro Oliveira – https://www.linkedin.com/in/maurooliveiraonline/